Fim de documentos como provas em tribunal
O artigo 3º da proposta de lei 108/IX adiciona um novo artigo 221º ao Código de Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), que tem um problema gravíssimo na implementação portuguesa: não é garantido o acesso à obra no final do processo de recurso.
Isto torna as restrições de acessos absolutas. De tal forma absolutas que é possível deixar crimes impunes por impossibilidade de acesso à documentação. Abaixo está um cenário inventado, mas, infelizmente, não impossível.
- José escreve um documento, que publica num website, em que acusa Miguel de não lhe ter pago o terreno que lhe vendeu.
- José protege esse documento com medidas eficazes de carácter tecnológico que, quando alguém tenta aceder 10 dias depois, apagam o documento.
- Miguel sente-se ofendido e quer pôr José em tribunal por difamação.
- Devido à protecção dada pelo novo artigo 217º do CDADC, Miguel não pode neutralizar a protecção em causa para apresentar o seu caso em tribunal.
- Ao abrigo do novo artigo 221º, ele pede ao José que lhe apresente uma cópia do documento desprotegido.
- Para sua surpresa, José entrega-lhe uma cópia.
- Ao ler melhor a cópia, Miguel apercebe-se que não é o mesmo texto e que esta versão limita a acusação de que não pagou o terreno numa data anterior à escritura.
- Ainda ao abrigo do artigo 221º, Miguel recorre à Comissão de Mediação e Arbitragem.
- José apresenta a mesma versão do documento na arbitragem, dando a Comissão de Mediação e Arbitragem como encerrado o caso, uma vez que não tem forma de validar se é o mesmo documento que o original de que se queixa Miguel.
- Sem o documento original, Miguel não tem hipótese de provar a difamação em tribunal. Se fizer a neutralização por si só, provavelmente a "prova" não é sequer admissível em tribunal por ter sido obtida através de um crime.
Nota: Todo este cenário assume que o artigo 221º é válido e que não estamos perante uma situação em que o artigo 222º anula o artigo 221º.
Mais informação em: http://www.ansol.org/eucd/