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DMCA e EUCD: Copyright vs Comunidade

por Rui Miguel Silva Seabraúltima modificação 2006-03-18 15:57

João Miguel Neves - (joao@silvaneves.org)



DMCA - quatro letras que, nos Estados Unidos, passaram a ser sinónimos de prisão de um programador russo à saída de uma conferência, ameaça a um professor universitário por publicar um artigo de investigação, medo na comunidade de segurança e a resposta básica à pergunta porque é que é tão difícil ler DVDs em GNU/Linux. DMCA quer dizer Digital Millenium Copyright Act, e é uma nova extensão à legislação de direitos de autor que, entre outras coisas, deita fora o princípio de presunção de inocência e limita o trabalho na área de segurança. Infelizmente, o resto do mundo não está livre do mesmo tipo de legislação: a directiva comunitária 2001/29/EC de Maio de 2001 (mais conhecida como EUCD - European Union Copyright Directive) implementa as mesmas restrições e tem de ser transposta até Dezembro de 2002 para as várias legislações nacionais.


O problema

Na realidade há dois problemas distintos em relação a esta legislação: a legislação em si e o uso que é feito dela. A directiva comunitária 2001/29/EC foi aprovada a 22 de Maio de 2001, o que quer dizer que no máximo a 22 de Dezembro de 2002 tem de estar em vigor nas várias legislações nacionais[L2]. O maior problema da legislação está no seu artigo 7 - Obrigações em relação a informações sobre gestão de direitos. O problema deste artigo é a parte que diz que é proibida a distribuição de qualquer artefacto que a pessoa saiba, ou devesse saber, que pode induzir, permitir, facilitar ou esconder uma infracção à lei de direitos de autor. Mas o que quer dizer a expressão informação electrónica de gestão de direitos? A explicação dada é que é qualquer informação fornecida por quem tem os direitos de autor que defina o artefacto e os termos e condições de uso.

Ou seja, pela primeira vez na história da legislação de direitos de autor é dada a capacidade ao detentor do direito de autor de limitar o uso privado de uma obra[L3]. Deste modo deixa de ser ilegal o sistema de zonas dos DVDs, que foi feito para limitar a utilização de cada DVD a uma determinada zona geográfica e passam a ser legais claúsulas como as últimas limitações de uso do MS FrontPage 2002 que impedem que se use o FrontPage para construir sites que dizem mal da Microsoft, subsidiárias ou produtos[D1].

Além disso, se algo pode ser usado para dar a volta a informação electrónica de gestão de direitos, passa a ser ilegal a sua comunicação e distribuição. É um pouco como proibir o uso de facas porque podem ser usadas para matar pessoas, apesar desse não ser o seu único uso, nem sequer o mais habitual.

Uma lei definida de forma tão abrangente assusta as pessoas porque nunca há a certeza do seu significado. Eu referi que uma parte do problema é a utilização que as empresas fazem desta lei. Um bom exemplo é a experiência de Amita Guha, uma jornalista americana que um dia chegou a casa com o seu namorado, depois de um fim-de-semana prolongado fora, para descobrir que lhe tinham cortado o acesso à Internet. Depois de alguns dias de investigação, descobriram que a MPAA, um consórcio americano de produtoras de filmes, os tinha acusado de, na sexta-feira anterior, terem feito o upload de um filme para a Internet. Perante essa acusação, o ISP deles, de forma a não ser considerado cúmplice, cortou-lhes o acesso, sem sequer os informar[A1].

Outro caso de abuso, que se encontra agora em tribunal, é o do Prof. Felten. O Prof. Felten e a sua equipa participaram no concurso para "crackar" (descobrir uma falha de segurança) um sistema de protecção de cópia para música da Secure Digital Music Initiative mais conhecido como SDMI. Felten e a sua equipa de investigadores foram bem sucedidos na sua tentativa e, como cientistas, escreveram um artigo para apresentar numa conferência da USENIX. Nas vésperas da conferência, Felten recebeu uma carta de Matt Oppenheim, em nome da SDMI e da RIAA (Associação Americana das Editoras Discográficas), a ameaçar processá-lo ao abrigo da DMCA se ele apresentasse o artigo na conferência[A2]. O artigo não foi apresentado e, neste momento, a USENIX, Felten e a sua equipa pedem ao tribunal que emita uma declaração a dizer se a apresentação do artigo é ou não legal.

Mas a situação que mais atraiu a imprensa foi a prisão de Dmitry Sklyarov. Sklyarov é um programador russo que trabalha para uma empresa chamada ElcomSoft. Esta empresa tem um produto que permite ler ficheiros com o formato E-Book da Adobe num computador normal. Se tivermos em conta que uma das cifras usadas é ROT-13, ficamos com uma ideia da qualidade técnica da protecção usada. Depois de algumas semanas na cadeia, Sklyarov encontra-se em liberdade condicional, à espera de julgamento. A sua defesa consiste principalmente no facto de que a solução da ElcomSoft permite, ao contrário da solução da Adobe, fazer "copy&paste2 dos e-books, possibilitando a utilização de ferramentas "Text2Speech" usadas por pessoas cegas ou amblíopes (pessoas com uma capacidade de visão extremamente baixa). A capacidade de eu, como comprador de um livro, poder lê-lo à vontade, não é discutida nem sequer posta em causa.

Outra das vítimas deste sistema está a ser a comunidade de segurança. O risco de uma discussão sobre a segurança de um determinado produto poder ser entendido como facilitar um infracção às leis de direitos de autor têm limitado a intervenção de algumas pessoas e está neste momento a afectar o desenvolvimento de software livre. O último exemplo é o do kernel Linux. O último prepatch para o kernel 2.2.20 publicado por Alan Cox, o responsável pela manutenção da série 2.2.x, continha a seguinte informação:

"Security fixes details censored in accordance with the US DMCA"

Quando pressionado para dar mais informações, Cox respondeu que as permissões de ficheiros e identificação dos utilizadores podem ser informação de gestão de direitos e, portanto, não se quer arriscar a casos em tribunal nem a penas de prisão[A3]. Neste momento afirma que os programadores americanos não podem ser informados mas, infelizmente, dentro de pouco tempo não serão só os americanos a ter este tipo de legislação.

A origem

Mas porque é que a União Europeia segue o exemplo dos Estados Unidos neste tipo de legislação? A verdade é que não segue. O tratado que deu origem quer à DMCA, quer à directiva comunitária 2001/29/EC foi assinado em Dezembro de 1996 em Genebra, na Suíça: O Tratado WIPO para os Direitos de Autor. Portugal foi um dos subscritores. WIPO é a organização mundial para a propriedade intelectual e tem como slogan "Propriedade Intelectual para o Negócio"[I5]. É neste tratado, mais propriamente nos artigos 11 e 12 deste tratado que está quase a fazer 5 anos, que a maior parte do mundo civilizado se comprometeu a abandonar o direito de uso das obras a favor de protecções electrónicas por mais tecnicamente ineficazes que sejam[L1].

O que está a ser feito

Para um assunto desta importância e natureza é de estranhar a pequena quantidade de organizações que estão activamente envolvidas em tentativas para travar ou limitar os efeitos desta legislação. Nos Estados Unidos a EFF (Electronic Frontier Foundation) é a organização mais activa ao custear os casos de tribunal do Prof. Felten e do Dmitry Sklyarov, para além de todas as outras actividades[I1].

Na Europa, temos a associação europeia de bibliotecas que divulgou estar contra esta legislação, uma vez que as empresas promotoras dos formatos de livros electrónicos estão a usar esta legislação para impedir, entre outras coisas, a acção de emprestar um livro ou a capacidade de lê-lo depois do fim de um determinado período[I4]. Além disto está a ser preparada uma acção ao nível europeu, coordenada pela FSF Europa, para divulgar e tentar limitar este tipo de legislação[I2]. Em Portugal a voz para essa acção será a recém-criada ANSOL (Associação Nacional para o Software Livre)[I3].

Para além da cooperação com estas organizações existe um papel muito importante para cada um de nós: divulgar. Explicar às pessoas o que querem dizer, hoje em dia, a legalização das limitações de uso: DVDs que posso comprar, mas não usar; livros electrónicos que não posso emprestar; programas que limitam a minha liberdade de expressão. E lembrem sempre que este cenário não é para um futuro longínquo, mas são os primeiros passos observáveis de uma realidade que existirá a partir de 2002.

Conclusão

O futuro depende de nós. Se aceitamos uma realidade em que o dinheiro vale mais que a liberdade é uma decisão que cabe a cada um de nós. Eu pessoalmente prefiro a liberdade, com todas as desvantagens e vantagens que ela trás. Os direitos de autor foram criados originalmente como um incentivo à criação, através de instituição de um monopólio temporário. No último século temos vindo pouco a pouco a perder os limites temporários e cada vez mais a ver empresas a utilizar uma legislação que era suposto aumentar as obras disponíveis para toda a sociedade como uma simples fonte de riqueza.

Certas empresas estão a ir longe de mais. As limitações que nos tentam impôr no futuro próximo põem em causa princípios básicos da nossa sociedade: a presunção de inocência e a liberdade de expressão. Não serão condenados apenas aqueles que cometem as infracções, mas os que sabem como cometê-las. Fica de lado qualquer discussão séria sobre criptografia e outros assuntos relacionados com segurança, porque pode ser considerada como facilitadora de infracções. Vamos passar a observar um aparecimento incrível de produtos de segurança que não passam de banha da cobra[A4]. Esta é uma realidade em que eu não quero viver. E tu?

Links

Instituições

[I1] http://www.eff.org/ - Electronic Frontier Foundation
[I2] http://www.fsfeurope.org/ - Free Software Foundation Europe
[I3] http://www.ansol.org/ - Associação Nacional para o Software Livre
[I4] http://www.eblida.org/ - European Bureau of Library, Information and Documentation Associations
[I5] http://www.wipo.org/ - World Intellectual Property Organization

Legislação

[L1] http://www.wipo.org/treaties/ip/copyright/index.html - Tratado de direitos de autor WIPO - Genebra, Dezembro de 1996
[L2] http://europa.eu.int/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEXnumdoc&lg=PT&numdoc=32001L0029&model=guichett - Directiva comunitária 2001/29/EC de Maio de 2001
[L3] http://www.ccpj.pt/Legisdata/LgCodigoDireitoAutor.htm - Código do direito de Autor

Discussões

[D1] http://slashdot.org/article.pl?sid=01/09/21/1438251 - Limitações de uso na licença do FrontPage 2002
[D2] http://mailman.fsfeurope.org/pipermail/discussion/2001-July/001561.html - Discussão sobre a directiva europeia no âmbito da FSF Europa.

Artigos

[A1] http://www.salon.com/tech/feature/2001/08/23/pirate/index.html
[A2] http://www.eff.org/Legal/Cases/Felten_v_RIAA/faq_felten.html
[A3] http://lwn.net/2001/1025/index.php3
[A4] http://www.faqs.org/faqs/cryptography-faq/snake-oil/

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